Amor


Como posso dizer se é amor 

Se não sei o que não é amar

Um encontro provido do acaso

Com um interesse em comum 

Que se deu tanta importância até virararem um


Como posso saber se amei de verdade

Se a minha experiência foi só uma das metades 

De pessoas se construindo a partir dos cacos

De outras pessoas quebradas 


Um corpo tão cheio

Que não consegue transbordar 

Uma união 

Simbolizada pelo que chamamos de coração 

Dois seres pelados 

Tentando crer que estão ligados 

Nesse lugar vazio 


Uma série de concessões

A procura de soluções 

Para dar sentido 

Ao que simplesmente não faz

A tentativa de achar algo perdido

Que nunca foi concebido


O horário

O nome dado às estrelas 

O sorriso de canto que espera

Ansiosamente por um só instante

A fixação do olho 

Que te puxa para dentro de si mesmo

A energia do estático


O choro da angústia 

O desespero do necessitado 

A fome do que não consegue comer

O medo de uma partida pior que a morte

A impossibilidade de dizer que acabou


Uma besta enjaulada

Em paredes invisíveis

Totalmente domesticada

A espera de um único comando

Para comer as suas migalhas


O ser onipotente e onipresente

Que destrói a barreira do tempo 

Tira o som do mundo 

E as palavras da boca 

O choque de uma realidade 

Totalmente de fantasia

A dor da autofagia 


A companhia do que já se foi 

A persistência pelo que está perdido 

A imensa dor de ter se rompido 

Se perceber nesse vazio e não ter um abrigo

Procurar uma mão

Não ter um amigo 

Não se reconhecer como indivíduo

Se tornar o próprio inimigo